De acordo com o delegado, no caso da menina, ela receberá medidas de proteção, também previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
Por mais bárbaro que seja o ato cometido na noite desta quinta-feira (27) no bairro Jaburuna, em Vila Velha, em que uma criança de 11 anos matou a própria mãe com ajuda do namorado, um adolescente de 14 anos, o fato é que a menina não responderá por qualquer ato infracional. Mas por que isso acontece?
Em primeiro lugar, a Constituição Federal, como norma máxima no país, protege a infância como uma das prioridades, e diz isso em seu artigo 6º:
“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Sobre o assunto, o delegado Marcelo Nolasco, que conduziu o caso até o momento, explicou à reportagem do Folha Vitória que o estatuto define que “considera-se criança a pessoa com a idade de até 12 anos incompletos e adolescente entre 12 e 18 anos incompletos”. Assim, a menina que matou a mãe e tentou matar o padrasto, é inegavelmente considerada apenas uma criança.
Já o namorado dela, um garoto de 14 anos, definitivamente um adolescente, como consta da lei, já é passível do cometimento de atos infracionais, que são os atos similares aos crimes praticados por um adulto. Desse modo, responderá pelo que fez, por meio de uma medida socioeducativa.
Diante da gravidade dos fatos, o adolescente deve receber a mais gravosa das medidas, que é a internação em uma unidade de atendimento socioeducativo por até, no máximo, três anos. Ressalta-se que ele foi autuado em flagrante por ato infracional análogo a homicídio qualificado por motivo fútil, com traição ou emboscada ou recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima.
De acordo com Nolasco, no caso da menina, ela receberá medidas de proteção, também previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
“A criança é protegida quando tiver seus direitos violados, ainda que por um ato cometido por ela mesma. E a atitude violou o direito dela de ter uma mãe e de ter um lar. O juiz da infância pode aplicar algumas medidas para proteção dela mesma, como a colocação em família substituta, caso a família real não a queira mais, ou colocação em uma casa-lar, encaminhamento ao atendimento psicológico, matrícula em uma escola. Mas, de forma alguma, será internada em uma unidade socioeducativa”, acrescentou.
Para a autoridade policial, este caso não tem precedentes em sua vida. “Ela é uma criancinha, falando com ela parecia que ela estava em um desenho animado, que não sabia direito o que estava acontecendo. Não tinha noção de que tinha perdido a mãe. É diferente do caso da Suzane Von Richthofen, por exemplo, em que era uma mulher adulta querendo dinheiro”, afirmou.
“Certamente a Vara da Infância vai fazer todo o acompanhamento dela. Pelo que ouvimos até agora, a alegação dela era só que a mãe não queria que ela namorasse e cumprisse tarefas básicas do dia a dia. Falando com ela, ela só pedia para ver o rapaz. Muito magrinha e pequena, de óculos, voz infantil e jeito infantil”, contou Nolasco.
Segundo o delegado, o ato de fato tem tudo para ter sido premeditado. Eles já haviam combinado de matar a mãe da criança, a pedido da própria filha. O menino então se escondeu e veio pelas costas atacar a vítima.
“Ela confirma que também deu uma facada na mãe. Os familiares do menino também ficaram chocados e disseram que era um bom garoto”, finalizou.
Padrasto conta como menina de 11 anos matou a mãe
Segundo o padrasto, pouco após a primeira cena do crime, que ocorreu quando ele chegava do trabalho, ele seguiu pelo corredor de casa, sem, até então, ver alguém. “Olhei para a esquerda e estava minha enteada, quando olhei para ela, o rapaz começou a me dar pauladas com um taco de basebol. E aí ela veio para cima com faca e garrafa”, iniciou.
“A primeira pancada foi muito forte e eu quase caí. Se eu caísse, tenho certeza que iriam me matar. Consegui chegar ao portão para pedir socorro, chegou muita gente e o povo, a princípio, não entendeu, achou que eu que tinha cometido o crime, não iam achar que foram crianças. Então os vizinhos começaram a dizer que iriam me matar”, continuou.
Vizinhos queriam linchar padrasto
O padrasto havia chegado do trabalho depois da cena de morte da esposa e contou que correu e desceu as escadas da casa, que fica no segundo andar, e seguiu até o portão de acesso à rua. Do lado de fora, vizinhos queriam agredi-lo, achando que ele tinha matado a esposa.
“A menina gritava alto: ‘Você matou a minha mãe! Você matou a minha mãe’. Fiquei com medo das pessoas me lincharem. E eu não podia subir a escada porque os dois estavam lá e não deixavam. Foi uma emboscada”, contou o padrasto.
Menina disse em diário que mataria a mãe
A menina de 11 anos registrou em um diário a ideia do assassinato. Em uma das páginas, ela escreveu que mataria os pais para poder ficar com o namorado.
Na quarta-feira (26), a garota deixou um registro no diário que dizia: “Eu estou completamente apaixonada por um garoto. A gente vai matar meus pais para ficar juntinhos.”
Padrasto diz que tratava a menina como filha
O homem, também vítima, contou que apesar do pouco tempo que estava junto com a mãe da menina, pouco mais de dois anos, tratava a menina como filha.
“A gente estava junto e eu a criei como uma filha. Estou destruído por dentro. Isso que vocês estão vendo por fora não é nada. Meu coração está destruído e vai demorar para sarar”, afirmou a vítima.
A Polícia Militar chegou pouco depois do ocorrido. Feridos, o padrasto e o menino foram levados para o Hospital Estadual Antonio Bezerra de Faria. Já a menina foi levada pelo Conselho Tutelar para a casa dos avós maternos.
Investigadores da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa foram até o hospital e o garoto acabou confessando o crime. Após o atendimento, ele foi conduzido para à delegacia, onde prestou depoimento.
fonte :Folha Vitória